Lugares da Poesia
Mural do excerto manuscrito do poema «Paisagem» de Jaime Rocha
Este é o 1º Lugar da Poesia, criado por Edgar Massul, na varanda do edifício da Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão, no momento da homenagem dos 50 anos de vida literária do poeta Jaime Rocha, diretor literário do encontro «Poesia, um dia». O mural foi construído em setembro de 2020, durante a 9ª edição do «Poesia, um dia». Para a sua criação, Edgar Massul utilizou materiais orgânicos, como musgo, e outros ingredientes (iogurtes, açúcar e água) aplicados sobre o manuscrito a lápis.
No vídeo que se segue, o poeta Jaime Rocha lê, no rio Tejo, o poema escrito na Casa do Cerro (de Ermelinda Cargaleiro) durante a residência literária da Foz do Cobrão de 2012.
Paisagem
Fico cego com a paisagem,
com o rio que passa sobre as pedras.
Cego com o silêncio daquela ponte
E com a presença dos xistos que
escondem as casas. Cego com
os cabelos e com os pássaros.
Cega-me a memória dos mortos
e as filas de oliveiras que sobem
pela encosta até às nuvens.
A cegueira é um vale quase despido
de urzes, é uma rua estreita invadida
pelas cabras por detrás de uma romãzeira.
Quando olho os grifos nos rochedos,
penso na cegueira dos morcegos_________
na solidão dos limoeiros
e nas algas verdes.
Há um mundo redondo à minha
volta, uma idade onde meto
as árvores e os gestos.
Fico cego não só pela água e pelo cimento.
Acontece que há uma fome e uma sede
construídas pelas árvores e pelas colinas
e tudo caminha para uma felicidade
estranha, para um tempo selvagem
como se todo nós nos fôssemos
encontrar no outro lado da sombra.
E depois há a cegueira das aves
e do amor, a cegueira dos cabelos
Caindo sobre os móveis. Caminhamos
Em cima de um longo gerânio, tapados
por um véu e os nossos corpos ficam
quietos ouvindo as palavras__________,
construindo o sol, a pouco e pouco,
como se as formigas nos saíssem
pela boca levando com elas um sinal,
um olhar definitivo, um pensamento.
Fico cego com a paisagem.
Casa do Cerro, Foz do Cobrão, Setembro de 2012
Jaime Rocha